Onde olho?

Deitado no piso de madeira, olho para o concreto do teto. O retangulo de alumínio e vidro, da parede ao lado, deixa a luz do Sol bater no meu peito. “É quente a vida”. Tentação! E, a brisa que circula entre as paredes de branco gelo diluem a dureza da manhã. Que frescor?! Me tenta até não poder mais.

Onde olho? Vejo meu coração, seja no concreto frio e seco, químico e fisicamente estático que me protege da vida de lá, do lado de fora. Seja no branco do meus olhos, tão iguais aos seus e aos deles tão diferentes. Eles não entedem. Nem mais você. E isso faz sentido: não busco ser entendido, busco ser atendido. Muitas vezes confundo e troco o segundo pelo primeiro. Mas, não escapo! A realidade me joga no chão da sala e diz que é segunda-feira. Preciso correr para que me sirvam mais paredes de concreto e alumínio.

Convencimento, um conto.

Saiu de casa e jogou a chave por baixo da porta. Essa história ele lembra. Andou sem compromisso, mas sabendo onde ir. Essa história ele lembra.

Sentiu o sabor do vento tocando sua pele, enquanto a chuva se aproximava. Era inverno em algum lugar. Ali era verão, e a chuva iria cair forte. O arco-íris gritava isso: “não tenho tesouro para você”. Lamentou o resto do seu dia, mas se sentiu feliz.

Lembrou da chave por baixo da porta. “Vão ter que abri-la com um machado”, resmungou para si. Dobrou a esquina e viu que precisava dobrar outras. Conhecia aquelas ruas, ainda que se sentia sempre redescobrindo novas coisas. “Aqui tinha uma casa sem teto”. “Aqui tinha um campo de bola”. “Aqui tinha um amigo que se foi, agora tenho um conhecido”.

Se olhássemos por baixo, era possível vê-lo contra o céu. Uma figura sob o céu cinzento que avançava sobre o céu azul. Não sabia qual cor era mais bela. “Claro”, pensou, “depende da cidade”.

Se olhássemos por cima, seria possível ver um ponto cruzando esquinas sem calçadas. Apenas um ponto no mapa. Retraçado seu trajeto, mudou de lado da rua. Colocou a mão no bolso, pensou pouco e silenciou-se. Andou mais rápido, por não querer ser tomado como um tolo.

Andou mais calmamente quando pensou em cabelos castanhos voando ao vento. Quando pesou em uma pele com cheiro provence. Não pensou mais em andar. Parou sob uma luz em seus olhos, um reflexo de um passado pueril que cai de vez em quando.

Já no meio do trajeto, sem parar, olhou para traz. Era longe demais. Não tinha perseguido muito. Estava só desde antes. Teria que ser assim até depois. “Vão ter que quebrar a porta”, resmungou ao olhar um teto ao horizonte. “Pelo menos haverá ânimo novo lá”.

Corria nas veias sabor de cana. Corria nas veias açúcar e sal. Corria nas veias da cidade com trajeto apreendido, mas sem lugar para ir. Estava tudo certo, bastava chegar.

Teve o convencimento que tudo estava bem. Se lembra de dias melhores. Se lembra que desejou mais ao não querer nada. Quis ter, falhou em desejar. Subia no murro para ver o outro lado da verdade. Só encontrou partidas, sem respostas. Agora, anda descalço pela rua.

Já como quase uma oração, seu coração batia sem ritmo. Tentava se enganar com o glamour das luzes que as gotas da chuva refletiam do Pôr-do-Sol. “Venho aqui te requerer um pouco mais, fica comigo”. “Tenho mais paralelepípedos para calçar”. “Se quiser, posso te orientar”. “Onde você vai ficar”. Bem, ela ficou e ele teve medo. “Agora, esse passado só me cega. Ando melhor assim.”

“Tudo está bem?”

Tudo está bem!

Caminha páreo outrem. Caminha páreo como ninguém. Caminha correndo também.

“Não conto minha história. Ela está cheia de passado e muitos passos. Pouca glória. Conto os da minha frente. Quantos preciso dar, ainda? Já me sinto cansado. Não é justo comigo. Não queria que quebrassem aquela porta”.

Era dia de expurgo, isso ele lembra. Era dia de sentir vazio, isso ele não desejou. Era dia de preencher com algo novo, isso ele queria.

Era criança, isso ele não lembra. Carregava seu irmão pelo braço, isso ele não lembra. Era apenas o começo, isso ele não imaginava.

“Eu também sei flanar”, brandiu.

 

[Conto] Os seres que procuram a montanha das pedras das almas

Existe um conto que me foi revelado por meu pai e que foi contado para ele por minha avó. Meu avô não teve tempo para lhe contar. Ele morreu pelos seres que procuram a montanha das pedras das almas. E é sobre eles que vou lhe falar agora.

Nesta vila e nas demais dessa província, existe uma lenda, uma lenda que é maior que um mito. Um mito que é maior que qualquer outro. Mas, isso tudo é realidade. É verdade e se você não acreditar terá o mesmo futuro de seu pai e meu avô, uma cova com algumas camisas, um fedora* e um par de sapatos.

Você vai morrer se não aprender a sobreviver diante desses monstros.

Ninguém jamais viu seus rostos. Não procure ser o primeiro.

No penhasco atrás desta casa, há uma saída e só uma para quando eles aparecem: o mar.

Pule no mar e não olhe para o céu.

Eles vão aparecer no primeiro dia em que você não acreditar mais. Você não sabia que eles existem, mas você ainda é criança. Não sabemos porquê as crianças sobrevivem, infelizmente. Se soubéssemos não pularíamos nessas águas frias toda vez que eles aparecem.

Eles recrutam novos caçadores para procurarem o que querem. E tudo o que sabemos sobre eles é o que nos contaram:

“Queremos encontrar a montanha das pedras das almas”.

Maldita montanha! Maldito continente! Maldita loucura! Maldita alma!

Aprenda que eles não querem você, mas você nunca mais vai voltar para a costa se deixar de acreditar neles. Nunca deixe de acreditar em mim!

Você não vai lembrar-se de sua mãe amanhã. Eu, sua mãe… Não ficarei aqui para te abraçar. Proteja sua existência como se fosse a minha.

Deixei de acreditar há muito tempo. Vê aquela porta? Eles estão me esperando lá. Eles sabem e você esquecerá. Prometa que não esquecerá de mim. Prometa que acreditará. Todos aqui dirão que estou louca. Eles acreditam, mas não vão querer esquecer meu nome e por isso vão mentir pra você. Vão dizer que estive louca, mas nunca vão falar para você desses monstros.

Peço só que acredite em mim e nesses monstros. Tenha sempre medo deles. E se aparecerem quando você for grande, pule do penhasco de trás dessa casa. Eu não tenho mais salvação. Eles já me pegaram, mas vou tentar pular para o mar.

Conte este o que te disse para seus filhos.

Não estou louca.

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*Tipo ordinário de Chapéu Panamá.

Conto: deixei de amar em Paris

Parado na frente de sua máquina de datilografar Remington, importada e semi-nova,  gasta o resto de sua paciência com uma folha em branco e seus últimos dois cigarros, de um total de três maços em cinzas. 

Tem uma ideia, mas não tem um argumento. Pensa que foi uma tarde perdida. Não sabe como não conseguiu escrever nada para algo tão óbvio como o que pretendia. Até lhe parece que a máquina  ri de sua falta de criatividade e o papel e a escrivaninha cochicham sobre seu aparente nervosismo, enquanto a janela lhe dá de ombros e finta a cidade. 

É fim de tarde em Paris. Os jovens já estão saindo às ruas, após cumprirem suas obrigações domésticas ou escolares. Os meninos procurando um pretexto para beijar uma menina ou mais. Enquanto elas, as moças, procuram um bom partido, culto e cheiroso, para futuro esposo.

Olhando pela janela, constatou que após a Guerra, os jovens ficaram mais “libertinos”, talvez por uma maior influência dos  norte-americanos e seus filmes. “Talvez a culpa seja mesmo do tal Gene Kelly e suas coreografias extravagantes”, divagou ao acender sua penúltima cigarrilha. 

“Esses são os anos 5o em Paris”, diz para si ao mesmo tempo em que, também, sente que lhe fará falta essa vida no futuro. “Como serão essas ruas daqui há 20 ou 30 anos?”, completa sua linha de raciocínio em voz alta antes de bater algumas rápidas linhas na Remington e levantar-se como um titã de sua prisão.

Tal foi a força que exerceu em suas pernas para levantar-se da escrivaninha que sua cadeira caiu para traz. Olhou rapidamente para ela, mas, como quem joga um bituca de cigarro no chão, não voltou a fitá-la, deixando-a no mesmo lugar, deitada sobre o tapete. Percorreu a distância que separava a escrivaninha da porta em dois passos largos, pegou seu sobretudo, o colocou sobre seu braço e meticulosamente ajeitou o Fedora preto em sua cabeça redonda. Saiu sem bater a porta. Fecho-a com todo o cuidado do mundo e andou em silêncio pelo corredor do primeiro andar do Hotel Mari’s.

Caminhando ao centro de Paris ficou preocupado por não conseguir ver a Eiffel por entre os prédios. Quando finalmente viu a torre, reinando ao anoitecer, abriu um sorriso simples, mostrando seus dentes amarelados pelo tabaco, que aprendeu a fumar com o Pai. Estranhou o sorriso em seu rosto quando encontrou a imagem da torre, já que sempre blasfemou contra o simbolo de Paris. “Os cabarés, sim, são os verdadeiros símbolos de Paris. Todo turista e homem parisiense de respeito passa mais tempo dentro de um puteiro que admirando aquele monte de ferro montado”, disse certa vez em um café entre alguns dos seus poucos amigos. 

Quando os prédios, novamente, lhe furtaram a imagem da Eiffel seu penúltimo cigarro acabou. Bateu a mão no bolso do sobretudo preto, combinando com os sapatos lustrados, enfiou os dedos no bolso do paletó e não achou nada. Lembrou que estava no bolso da calça, lugar que geralmente deixa vazio, reservado para apenas colocar suas mãos – hábito que adquiriu na infância, mesmo contra os protestos de sua mãe. Sacou o amassado cigarro e acendeu com  um velho esqueiro americano comprado na mão de um marinheiro inglês, quando da vez que seguiu com uma dançarina até Londres. 

Existem muitos tipos de rituais por ai, alguns homens se benzem, outros só entram e saem de casa usando o pé direito e algumas pessoas até matam outras para seguirem suas regras, como na Inquisição, mas o dele é somente acender e respirar a fumaça do cigarro. É um ritual simples, mas era só dele e pensava nisso toda vez que o fazia, sozinho ou na frente de outros. 

Após alcançar o Champ de Mars e ter a Eiffel em todo o seu  campo de visão, passou a seguir um mulher que acabara de comprar um saquinho de pipocas e estava com um guarda-chuva preto ao seu braço. Já era noite em Paris e apenas as luzes dos postes iluminavam as faces de quem estivesse na rua. Pensou em parar aquela mulher e lhe olhar a face, se fosse bonita, perguntar seu nome, inventar uma história de que havia se confundido com outra pessoa e, finalmente, lhe convidar para um café, sem compromisso, é claro. 

Mas, aquela distração não conseguia lhe tirar o foco. Adiantou o passo, passou pela mulher e não viu seu rosto. Atravessou o Champ de Mars sem olhar muito para mais ninguém e entrou na primeira rua que lhe parecesse familiar. Foi contornando as vias, boulevards, praças até chegar ao Moulin Rouge. Bateu as mãos no bolso e lembrou que estava sem dinheiro. Esperou. 

Não sabe que horas são. Mas, um homem baixo, gordo e com um charuto na boca, chegou em seu carro, desceu, abriu a porta do veículo para um dama vestida com os trajes da moda e deu as chaves ao vallet.

Então, ao ver o homem e a dama, saiu do seu lugar de espera, aproximou-se do casal, sacou um resolver e destilou 3 tiros na cabeça do homem gordo, que caiu como uma bola de chumbo na calçada do Rouge. Naquele momento, ele fez um mulher viúva, 2 meninos órfãos e mais 2 mulheres sem seu amante e seus presentes caros, além de mais algumas mulheres sem seu cafetão.

No seu quarto no Hotel Mari’s haviam duas malas, um porta-chapéus, e uma máquina de escrever adquirida dias antes, com o resto de suas economias. Havia também um papel datilografado com os alguns dizeres:

“Tenho pena de saber que verei Paris novamente só daqui há alguns longos anos, ou talvez não veja mais. Este é um problemas. 

Mãe, não se preocupe comigo. Sempre fiz tudo em minha plena consciência. O homem que vou matar hoje  roubou minha mulher por algumas libras. Sei que vai me entender. 

Aos meus amigos, vão à merda! 

Até mais, se eu tiver sorte. 

Jean”.

Depois que o corpo do homem caiu desfalecido, jogou a arma no chão e deixou-se render pelos guardas e o policial que estava mais próximo. Então, olhou para a dama que acompanhava o homem gordo e disse, com toda a calma do mundo: 

“Não lhe amo mais”. 

vida de link

Vida de link é uma promiscuidade só, passa pela mão de todos os encurtadores e mídias sociais do mundo! Depois sempre vai prestar conta aos QRCodes!

Pra quê, afinal? Pra ser clicado, usado e jogado em um bookmark qualquer, longe dos favoritos?

Vida de link é foda!

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Texto dedicado aos links que lutam por nós todos os dias e que nunca lembramos. 

Fernando Pessoa e Eu

Você, Fernando Pessoa,  me disse que “o essencial da arte é exprimir; o que se exprime não interessa”. Mas, ai, eu pergunto, querido companheiro, e quando se tem mais que “arte” envolvido no meio da coisa? O que devo exprimir? E isso não terá valor também? E por acaso terei que esconder meus sentimentos se outros o fazem por medo? E se eu não querer isso? E se meu objetivo é o resultado, a coisa “exprimida” e não o processo? E se não me interessar o contexto e eu só querer sentir, fruir o que terei no final da arte, sem ligar para mais nada? E se, em síntese, Fernando Pessoa, eu querer ser apenas feliz e arriscar abdicar do essencial da arte?

Mas, com medo pergunto também, e se esse resultado dela, a “arte”, ficar tentando se esconder de mim?  Querendo esconder dos meus olhos o que leio com o resto, meu coração? Vou ter que aceitar o que você disse?

Ouso dizer-lhe que não vou cair por terra ou desistir, querido amigo, mesmo que insista em tentar-me desviar da verdadeira arte: a arte que não busca ser essencialmente arte.

Prefiro as palavras sem fim

Gosto de escrever coisa que não entendo…

Preferencialmente quando surgem naturalmente

Quando é espontâneo e aparece aos poucos

Até tomar forma e sentir que estou vendo

 

Palavras são coisas irreais

São uma espécie de software projetado no espaço físico humano

É bem diferente da fala, em si

Gritar e chorar são coisas naturais

 

Não sabe-se bem o quê e como

Mas, é bem claro que faz-se bem escrever

E escrever coisas sem nexo melhor ainda =)

Claro, às vezes, dá sono!

 

Mas, é bem melhor assim.

Estou convencido que períodos longos demais não dão liga

E é melhor correr das vírgulas e pontos

Prefiro as palavras sem fim.

 

Pra fechar este pequeno texto grande demais

Fico esperando uma resposta dos leitores

Espero que acreditem no que escrevo

Espero que não me achem estranho, mais estranho que o texto que se faz.