Parado na frente de sua máquina de datilografar Remington, importada e semi-nova, gasta o resto de sua paciência com uma folha em branco e seus últimos dois cigarros, de um total de três maços em cinzas.
Tem uma ideia, mas não tem um argumento. Pensa que foi uma tarde perdida. Não sabe como não conseguiu escrever nada para algo tão óbvio como o que pretendia. Até lhe parece que a máquina ri de sua falta de criatividade e o papel e a escrivaninha cochicham sobre seu aparente nervosismo, enquanto a janela lhe dá de ombros e finta a cidade.
É fim de tarde em Paris. Os jovens já estão saindo às ruas, após cumprirem suas obrigações domésticas ou escolares. Os meninos procurando um pretexto para beijar uma menina ou mais. Enquanto elas, as moças, procuram um bom partido, culto e cheiroso, para futuro esposo.
Olhando pela janela, constatou que após a Guerra, os jovens ficaram mais “libertinos”, talvez por uma maior influência dos norte-americanos e seus filmes. “Talvez a culpa seja mesmo do tal Gene Kelly e suas coreografias extravagantes”, divagou ao acender sua penúltima cigarrilha.
“Esses são os anos 5o em Paris”, diz para si ao mesmo tempo em que, também, sente que lhe fará falta essa vida no futuro. “Como serão essas ruas daqui há 20 ou 30 anos?”, completa sua linha de raciocínio em voz alta antes de bater algumas rápidas linhas na Remington e levantar-se como um titã de sua prisão.
Tal foi a força que exerceu em suas pernas para levantar-se da escrivaninha que sua cadeira caiu para traz. Olhou rapidamente para ela, mas, como quem joga um bituca de cigarro no chão, não voltou a fitá-la, deixando-a no mesmo lugar, deitada sobre o tapete. Percorreu a distância que separava a escrivaninha da porta em dois passos largos, pegou seu sobretudo, o colocou sobre seu braço e meticulosamente ajeitou o Fedora preto em sua cabeça redonda. Saiu sem bater a porta. Fecho-a com todo o cuidado do mundo e andou em silêncio pelo corredor do primeiro andar do Hotel Mari’s.
Caminhando ao centro de Paris ficou preocupado por não conseguir ver a Eiffel por entre os prédios. Quando finalmente viu a torre, reinando ao anoitecer, abriu um sorriso simples, mostrando seus dentes amarelados pelo tabaco, que aprendeu a fumar com o Pai. Estranhou o sorriso em seu rosto quando encontrou a imagem da torre, já que sempre blasfemou contra o simbolo de Paris. “Os cabarés, sim, são os verdadeiros símbolos de Paris. Todo turista e homem parisiense de respeito passa mais tempo dentro de um puteiro que admirando aquele monte de ferro montado”, disse certa vez em um café entre alguns dos seus poucos amigos.
Quando os prédios, novamente, lhe furtaram a imagem da Eiffel seu penúltimo cigarro acabou. Bateu a mão no bolso do sobretudo preto, combinando com os sapatos lustrados, enfiou os dedos no bolso do paletó e não achou nada. Lembrou que estava no bolso da calça, lugar que geralmente deixa vazio, reservado para apenas colocar suas mãos – hábito que adquiriu na infância, mesmo contra os protestos de sua mãe. Sacou o amassado cigarro e acendeu com um velho esqueiro americano comprado na mão de um marinheiro inglês, quando da vez que seguiu com uma dançarina até Londres.
Existem muitos tipos de rituais por ai, alguns homens se benzem, outros só entram e saem de casa usando o pé direito e algumas pessoas até matam outras para seguirem suas regras, como na Inquisição, mas o dele é somente acender e respirar a fumaça do cigarro. É um ritual simples, mas era só dele e pensava nisso toda vez que o fazia, sozinho ou na frente de outros.
Após alcançar o Champ de Mars e ter a Eiffel em todo o seu campo de visão, passou a seguir um mulher que acabara de comprar um saquinho de pipocas e estava com um guarda-chuva preto ao seu braço. Já era noite em Paris e apenas as luzes dos postes iluminavam as faces de quem estivesse na rua. Pensou em parar aquela mulher e lhe olhar a face, se fosse bonita, perguntar seu nome, inventar uma história de que havia se confundido com outra pessoa e, finalmente, lhe convidar para um café, sem compromisso, é claro.
Mas, aquela distração não conseguia lhe tirar o foco. Adiantou o passo, passou pela mulher e não viu seu rosto. Atravessou o Champ de Mars sem olhar muito para mais ninguém e entrou na primeira rua que lhe parecesse familiar. Foi contornando as vias, boulevards, praças até chegar ao Moulin Rouge. Bateu as mãos no bolso e lembrou que estava sem dinheiro. Esperou.
Não sabe que horas são. Mas, um homem baixo, gordo e com um charuto na boca, chegou em seu carro, desceu, abriu a porta do veículo para um dama vestida com os trajes da moda e deu as chaves ao vallet.
Então, ao ver o homem e a dama, saiu do seu lugar de espera, aproximou-se do casal, sacou um resolver e destilou 3 tiros na cabeça do homem gordo, que caiu como uma bola de chumbo na calçada do Rouge. Naquele momento, ele fez um mulher viúva, 2 meninos órfãos e mais 2 mulheres sem seu amante e seus presentes caros, além de mais algumas mulheres sem seu cafetão.
No seu quarto no Hotel Mari’s haviam duas malas, um porta-chapéus, e uma máquina de escrever adquirida dias antes, com o resto de suas economias. Havia também um papel datilografado com os alguns dizeres:
“Tenho pena de saber que verei Paris novamente só daqui há alguns longos anos, ou talvez não veja mais. Este é um problemas.
Mãe, não se preocupe comigo. Sempre fiz tudo em minha plena consciência. O homem que vou matar hoje roubou minha mulher por algumas libras. Sei que vai me entender.
Aos meus amigos, vão à merda!
Até mais, se eu tiver sorte.
Jean”.
Depois que o corpo do homem caiu desfalecido, jogou a arma no chão e deixou-se render pelos guardas e o policial que estava mais próximo. Então, olhou para a dama que acompanhava o homem gordo e disse, com toda a calma do mundo:
“Não lhe amo mais”.
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