O homem de salto

Estava na praça da vizinhança, lendo meu velho jornal e conversando com os pombos, quando vi um homem de salto. “Até que pontos chegamos?!”, pensei. Nunca no alto dos meus 70 e tantos anos vi coisa semelhante. Quando olhei melhor, reparei: era meu filhos mais novo.

Astolfo d’Andrade de Carvalho II estava de palitó e mini-saia! Quase não acreditei, não fosse o detalhe de uma cicatriz de infância em sua perna esquerda.

Ia para o trabalho; saia da casa que lhe comprei de presente de casamento.

Quando me viu disse: “Olá Papa!” Minha reação foi levantar a mão e dizer: “Até mais querida!” Ele sorriu, junto com os pombos, que certamente, já sabiam de tudo e não me contaram.

Primeiro fiquei com medo

Primeiro fiquei com medo. Depois fiquei feliz. Primeiro não sabia seu nome. Depois ela me contou. Primeiro não quis ficar ao seu lado. Depois, muito rapidamente, queria estar onde ela estivesse. Primeiro eu não entendia seu sorriso. Depois passei a amá-lo. Primeiro eu odiei. Depois amei.

Ela parou na minha frente. Eu tinha em minhas mãos duas folhas de papel. Ela não me dizia nada. Eu fiquei pensando. Ela olhou dentro dos meus olhos. Eu senti meu coração. Ela ficou ali. Eu também. Ela sorriu. Eu disse: oi. Ela retribuiu. Eu fiquei vermelho. Ela, com certeza, achou estranho. Eu fingi alguma coisa. Ela passou. Eu fugi. As folhas de papel ficaram no chão. Continuar lendo “Primeiro fiquei com medo”

Conto – O mestre

Depois de levantar e cair, novamente, ele dormiu.

“Acorda!”

“Acorda?”

“Como assim?”

Como assim? Ele não sabe nem, ao menos, seu nome. Tudo, menos ele, nesse mundo, está vivo.

“Você está vivo?”

“Não sei!”

Não sabe como acordar. Imagina, somente, que se não levantar irá ficar, ficar e fica sem vida, até o fim. Mas, como evitar cair? Sou negro, pobre e bêbado!

“Como? O que está dizendo?”

Do seu lado, uma mulher pergunta qual seu nome, idade, de onde veio e se tem passagem pela polícia. O celular na mão denuncia: “Você vai parar no Boção!”

Nem sempre tão normal

A caneta está sem tinta.
A caneta está sem tinta.

Sobre a mesa do meu chefe estava a carta de demissão. Olhei-o fixamente, enquanto o velho, tirava um lenço do bolso para limpar os óculos e ler o papel branco. O rabugento pegou a carta com a mão direita, com a outra segurou uma caneta e rasurou o papel para ver se havia tinta na pena.

Cheguei ainda moço naquela empresa. Já tinha vinte anos de trabalho e dedicação à algo que sentia não me querer mais. Meus colegas, muitos, já haviam pedido demissão ou tinham simplesmente sido demitidos. Aguentava tudo aquilo resoluto e com resseio de ser o próximo. A estabilidade me agradava e o medo de ficar, já na casa dos cinquenta, desempregado me assustava.

Escrevi uma carta simples, com poucas palavras. Tudo o que queria dizer estava contido em três parágrafos e nada mais.

– Sim, aceito! – respondeu o miserável.

– Bem, era só isso.

– OK.

– Boa sorte com sua empresa. Espero que ache um funcionário tão dedicado quanto fui.

– Acharei, não se preocupe. – falou em tom de desdem, me mordi por dentro. “Miserável”- pensei.

Então, sai de mim e acertei um tapa na cara do velho. O corno parecia que estava mudo e como recebeu o tapa ficou: parado e me olhando fixamente como se fosse, eu, um diabo.

Surpreso comigo mesmo, e ainda com a mão no ar, soltei um leve sorriso e disse:

– Isto é o que mereçe por ter sido tão canalha com seus empregados e não ter-lhes dado o devido valor durantes tantos anos. Nós lhe enriquecemos e você subiu em um pedestal de ouro e lá decidiu ficar. Há muito está nos esplorando. Antes eramos todos amigos… Seu Viado! Espero que se foda!

– Adeus! – disse o velho. Pegou o telefone e, como se fosse a coisa mais normal do mundo, pediu que me retirasse, pois ia atender outro empregado:

– Dona Silvia, por favor, mande o próximo entrar. O Sr. Macêdo já está de saída. Obrigado!

Fiquei surpreso, mas foi um bom final.