A Argolinha

[CONTO INACABADO]

Quando Corisco do Trovão deu meia volta na pista e, apesar de já exausto por causa dos ocorridos no dia, colocou-se em posição para nossa última tentativa, minha vista escureceu e tremi em cima do cavalo.

Ela estava no meio da pista, parada sob a Argolinha*. Não havia motivo para estar ali. O vestido branco de chita e o cabelo moreno, solto e ondulado em baixo de um céu meio nublado, meio azul anil de mês de junho era uma vertigem para meu peito. Ela mirou em mim com aqueles grandes olhos-castanhos brilhantes e sorriu, mansamente, como quem me desafiava.

Ainda me fitando com seu olhar, levantou sua mão direita para o alto e tirou do dedo indicador o anel que ganhara de presente na véspera. Para minha surpresa, e todos os presentes, ela virou-se, tirou a argola do alvo e colocou seu o anel, duas vezes menor, no lugar!

Todos ficaram olhando a cena incrédulos e silenciosamente. Eu mais ainda. Não acreditava no que meus olhos me diziam.

Se estava nervoso naquela semana, agora só estava em pé porque Corisco me carregava em suas costas. Suei como se tivesse corrido mil léguas ou arado duas mil tarefas com uma enxada ‘sega’ em uma tarde de verão.

Ela terminou de colocar seu anel no lugar da Argolinha e virou-se pra mim, sorriu mais uma vez e saiu andando serenamente da pista, deixando apenas o rastros de seus pés pequenos cravados na areia fofa.

Recobrei minha consciência e decide que teria que vencer essa prova.

Então, deitei-me por alguns segundos no pescoço do meu cavalo e lhe disse: “Corisco, filho do Trovão, prometo que nunca mais uso esporas… Por favor, meu amigo…”. Sempre achei que ele entendia tudo o que eu dizia, mas neste dia tive certeza. Corisco virou sua cabeça e, como quem dizia “trato fechado”, relinchou. Naquela hora confiei em meu cavalo como nunca mais confiei em alguém nessa vida. É sempre ótimo ter alguém em quem confiar cem por cento.

Peguei a agulha com a mão direita e segurei bem forte; chamei por nossa senhora e seu filho; levantei o braço em riste e gritei: “Vai Corisco!”.
Sob o olhar de todos, meu melhor amigo fez a arrancada mais pulsante de sua vida. Levantou poeira com sua impulsão impressionante, parecia um vendaval, ganhava velocidade a cada passada; quem esteve naquela Argolinha disse que meu cavalo parecia que não corria, mas, sim, que deslisava como um raio buscando seu alvo.

Eu não sentia o vento no rosto, não sentia as passadas fortes de Corisco, só sentia a agulha em minha mão, como uma extensão do meu corpo.

Quando dei por mim já estava perto da argolinha. Corisco correu setenta metros em cinco segundos. Foi então que percebi que o anel era dourado e brilhava refletindo o sol poente. Era a primeira vez que percebia o momento exato que estava pronto para pegar o alvo da Argolinha. Só que este alvo era diferente: era um anel de ouro e tinha uma gena branca que deduzir ser um pequeno diamante. Pensei por alguns milésimos de segundo que aquela mulher seria a mais linda do mundo e tal adorno nem chegava a lhe fazer jus – “ela merece mais”, calculei.

Sem titubear, coloquei-o na agulha. “Ganhei a Argolinha”!

Corisco, então, travou suas patas no chão e levantou mais poeira que um redemoinho de vento. Formou-se uma nuvem de poeira densa como a noite.

Não ordenei, mas Corisco imediatamente deu meia volta na pista e saiu da nuvem de poeira, foi quando as pessoas começaram a gritar meu nome. Eu esta estasiado, não percebia nenhum rosto familiar naqueles que comemoravam o que tinham acabado de ver, apesar de conhecer a maioria desde a infância. Buscava o rosto dela e não a via, mesmos depois de passar a mão nos olhos pra tirar o pó. “Ela se foi?”

– Ei, Vaqueiro – disse uma mulher que estava se pendurando na cerca do meu lado – devolva meu anel, ele foi presente do meu pai.

Corisco parou e eu virei minha cabeça para vela. Quase fiquei sego, era muito linda, mas seu semblante era o mais sério possível.

– Devolva meu anel – disse mais uma vez ao estender sua mão em minha direção.

– O sanfoneiro ainda não começou a tocar – replique com uma voz surpreendentemente confiante -. E o campeão tem o direito de escolher uma dama para uma dança!

Ela contraiu seu braco e não falou mais nada. Deixou um leve sorriso cair no canto do rosto, desceu da cerca e voltou-se para a festa, entrando no meio da multidão.

Respirei fundo por baixo da minha roupa de couro, tirei o chapéu e sussurrei baixo:

– Obrigado, Corisco.

* Corrida de Argolinha é um esporte muito popular no sertão nordestino.

O Milharal!

Ontem havia chovido muito e não pude sair de casa. Hoje bem cedo, assim que o galo contou, corri pra cá.

Há muitas coisas que não conto para os meus irmãos. Eles sempre querem saber o que venho fazer, todos os dias, aqui, antes da escola. Nunca respondo nada.

Não posso passar muito tempo longe de meus sonhos. É como se houvesse uma raposa que sempre tira minha alegria quando não estou com você.

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