Convencimento, um conto.

Saiu de casa e jogou a chave por baixo da porta. Essa história ele lembra. Andou sem compromisso, mas sabendo onde ir. Essa história ele lembra.

Sentiu o sabor do vento tocando sua pele, enquanto a chuva se aproximava. Era inverno em algum lugar. Ali era verão, e a chuva iria cair forte. O arco-íris gritava isso: “não tenho tesouro para você”. Lamentou o resto do seu dia, mas se sentiu feliz.

Lembrou da chave por baixo da porta. “Vão ter que abri-la com um machado”, resmungou para si. Dobrou a esquina e viu que precisava dobrar outras. Conhecia aquelas ruas, ainda que se sentia sempre redescobrindo novas coisas. “Aqui tinha uma casa sem teto”. “Aqui tinha um campo de bola”. “Aqui tinha um amigo que se foi, agora tenho um conhecido”.

Se olhássemos por baixo, era possível vê-lo contra o céu. Uma figura sob o céu cinzento que avançava sobre o céu azul. Não sabia qual cor era mais bela. “Claro”, pensou, “depende da cidade”.

Se olhássemos por cima, seria possível ver um ponto cruzando esquinas sem calçadas. Apenas um ponto no mapa. Retraçado seu trajeto, mudou de lado da rua. Colocou a mão no bolso, pensou pouco e silenciou-se. Andou mais rápido, por não querer ser tomado como um tolo.

Andou mais calmamente quando pensou em cabelos castanhos voando ao vento. Quando pesou em uma pele com cheiro provence. Não pensou mais em andar. Parou sob uma luz em seus olhos, um reflexo de um passado pueril que cai de vez em quando.

Já no meio do trajeto, sem parar, olhou para traz. Era longe demais. Não tinha perseguido muito. Estava só desde antes. Teria que ser assim até depois. “Vão ter que quebrar a porta”, resmungou ao olhar um teto ao horizonte. “Pelo menos haverá ânimo novo lá”.

Corria nas veias sabor de cana. Corria nas veias açúcar e sal. Corria nas veias da cidade com trajeto apreendido, mas sem lugar para ir. Estava tudo certo, bastava chegar.

Teve o convencimento que tudo estava bem. Se lembra de dias melhores. Se lembra que desejou mais ao não querer nada. Quis ter, falhou em desejar. Subia no murro para ver o outro lado da verdade. Só encontrou partidas, sem respostas. Agora, anda descalço pela rua.

Já como quase uma oração, seu coração batia sem ritmo. Tentava se enganar com o glamour das luzes que as gotas da chuva refletiam do Pôr-do-Sol. “Venho aqui te requerer um pouco mais, fica comigo”. “Tenho mais paralelepípedos para calçar”. “Se quiser, posso te orientar”. “Onde você vai ficar”. Bem, ela ficou e ele teve medo. “Agora, esse passado só me cega. Ando melhor assim.”

“Tudo está bem?”

Tudo está bem!

Caminha páreo outrem. Caminha páreo como ninguém. Caminha correndo também.

“Não conto minha história. Ela está cheia de passado e muitos passos. Pouca glória. Conto os da minha frente. Quantos preciso dar, ainda? Já me sinto cansado. Não é justo comigo. Não queria que quebrassem aquela porta”.

Era dia de expurgo, isso ele lembra. Era dia de sentir vazio, isso ele não desejou. Era dia de preencher com algo novo, isso ele queria.

Era criança, isso ele não lembra. Carregava seu irmão pelo braço, isso ele não lembra. Era apenas o começo, isso ele não imaginava.

“Eu também sei flanar”, brandiu.