Caros amigos marcianos

Caros amigos marcianos

Sei que vocês já estudaram o suficiente os humanos, animais que têm um ancestral comum com os macacos, segundo minha professora, Senhorita Lú. Mas, será que vocês ainda não querem uma cobaia para fazer teste?

Sou um menino muito bem comportado. Papai Noel até me deu uma bicicleta no Natal. E ganhei doces na Páscoa… Mas, enfim, sou um bom exemplar da minha espécie. Tenho olhos castanhos e cabelos enrolados da mesma cor. Meus amigos até me chamam, carinhosamente, de “Castanha”.

Sou o mais novo de uma família de cinco filhos. São quatro meninas e eu – posso falar muito sobre as mulheres humanas. Sei que vocês capturam menos meninas que meninos. Meu Pai disse que é por que homens bebem mais cerveja que mulheres. Mas acho que é por causa da tal TPM, né? Tem uma época do mês que meu pai e eu ficamos sentados no sofá de boca fechada, para não levar um tapa da minha mãe ou um esporo das minhas irmãs. É até legal, é quando meu pai pergunta se pode jogar futebol comigo e meus amigos no campinho da Rua do Seu Macedo. Aliás, Seu Macedo disse que já foi “abduzido” (que palavra estranha, não acham?) por vocês uma vez. Ele me contou tudo e já me ensinou a língua de vocês. Só que é secreta, né? Então não podemos falar marcianês em uma carta… Os agentes americanos desconfiam de tudo! Mas, Seu Macedo disse que eles não iam desconfiar da carta de um menino de oito anos. Eu não entendi por quê. Mas acredito em tudo que ele diz. Ele é incrível!

Já fiz minha mala. Não sou muito apegado as coisas, mas vou levar meu boneco do Goku e minhas camisas das fazes da Lua, que ganhei de presente de aniversário da minha vizinha, a Senhorita Lú (minha professora, que, aliás, é muito bonita).

Bem, vou esperar vocês lá no campinho da Rua do Seu Macedo. Não se atrasem, tentem sair mais cedo para não pegar congestionamento, pois só vou esperar até as 21h. Depois disso eu durmo!

Nem sempre tão normal

A caneta está sem tinta.
A caneta está sem tinta.

Sobre a mesa do meu chefe estava a carta de demissão. Olhei-o fixamente, enquanto o velho, tirava um lenço do bolso para limpar os óculos e ler o papel branco. O rabugento pegou a carta com a mão direita, com a outra segurou uma caneta e rasurou o papel para ver se havia tinta na pena.

Cheguei ainda moço naquela empresa. Já tinha vinte anos de trabalho e dedicação à algo que sentia não me querer mais. Meus colegas, muitos, já haviam pedido demissão ou tinham simplesmente sido demitidos. Aguentava tudo aquilo resoluto e com resseio de ser o próximo. A estabilidade me agradava e o medo de ficar, já na casa dos cinquenta, desempregado me assustava.

Escrevi uma carta simples, com poucas palavras. Tudo o que queria dizer estava contido em três parágrafos e nada mais.

– Sim, aceito! – respondeu o miserável.

– Bem, era só isso.

– OK.

– Boa sorte com sua empresa. Espero que ache um funcionário tão dedicado quanto fui.

– Acharei, não se preocupe. – falou em tom de desdem, me mordi por dentro. “Miserável”- pensei.

Então, sai de mim e acertei um tapa na cara do velho. O corno parecia que estava mudo e como recebeu o tapa ficou: parado e me olhando fixamente como se fosse, eu, um diabo.

Surpreso comigo mesmo, e ainda com a mão no ar, soltei um leve sorriso e disse:

– Isto é o que mereçe por ter sido tão canalha com seus empregados e não ter-lhes dado o devido valor durantes tantos anos. Nós lhe enriquecemos e você subiu em um pedestal de ouro e lá decidiu ficar. Há muito está nos esplorando. Antes eramos todos amigos… Seu Viado! Espero que se foda!

– Adeus! – disse o velho. Pegou o telefone e, como se fosse a coisa mais normal do mundo, pediu que me retirasse, pois ia atender outro empregado:

– Dona Silvia, por favor, mande o próximo entrar. O Sr. Macêdo já está de saída. Obrigado!

Fiquei surpreso, mas foi um bom final.