O seu nome

Verdade que não posso te tocar hoje

Verdade, também, que você está dormindo agora

Verdade.

Mas, se quer saber,

Você me fez ficar acordado essa madrugada

E não consigo escrever mais nada além dessas palavras


As palavras que queria estar dizendo no seu ouvido

Enquanto você dorme.

É que sou bobo

É que eu te quero como ontem

Quando beijei seu rosto em silêncio

E disse aquelas palavras

As palavras que você já sabe que vou dizer pra você amanhã

O desenho*

Cheguei, como de costume, para meu trabalho voluntário dos domingos. Dou aulas de catequese na paróquia do bairro. Abrir a porta e lá estavam as crianças, nem todas sentadas, a maioria falando alto, as meninas bem penteadas e os meninos, todos, com cabelos emaranhados.

Alguns meninos brincavam de brigar em um canto. Outros estavam desenhando pássaros no quadro negro. Algumas meninas estavam olhando um álbum de figurinhas de bonecas. Outras exibiam seus lápis coloridos para uns meninos bobos.
Enfim, coloquei minha mochila em cima da mesa e pedi ordem. Logicamente, os meninos não me atenderam de imediato. Então, disse que a Irmã Matilde estava vindo pra conversar com a turma. Todos se sentaram rapidamente, e não se ouviu nenhum pio até que eu fala-se que se tratava de uma brincadeira. Continuar lendo “O desenho*”

O surpreendente caso de Anie Puskasls

“Anie Puskals foi abduzida!” Com esses gritos ecoando nas paredes nas casas da rua acordei assustado, às 8h da madrugada. Parecia que o Fulher havia sido ressuscitado! Já não me bastava trabalhar de segunda a sábado e naquele domingo também não teria descanso?

Tomei meu café quente como de habitual, dei de comer ao cachorro, tirei la neige da minha porta e sai para ver o que aquelas senhoras desbocadas estavam tagarelando na Rua Pokój.

Coloquei minha bengala na frente e as minhas pernas, feridas por duas guerras, atrás. Parei na primeira porta onde havia duas senhoras fofocando. Não precisei andar muito, dei cinco passos para a direita e parei em frente ao portão da casa dos Oświecony. A senhora Oświecony tinha a minha idade e conversava com a vizinha do final da rua, esta era mais nova. Elas pararam de trocar verbos quando viram minha assombrosa figura lhes encarando. De toda sorte, perguntei:

– Quem foi que morreu?

Continuar lendo “O surpreendente caso de Anie Puskasls”

Caros amigos marcianos

Caros amigos marcianos

Sei que vocês já estudaram o suficiente os humanos, animais que têm um ancestral comum com os macacos, segundo minha professora, Senhorita Lú. Mas, será que vocês ainda não querem uma cobaia para fazer teste?

Sou um menino muito bem comportado. Papai Noel até me deu uma bicicleta no Natal. E ganhei doces na Páscoa… Mas, enfim, sou um bom exemplar da minha espécie. Tenho olhos castanhos e cabelos enrolados da mesma cor. Meus amigos até me chamam, carinhosamente, de “Castanha”.

Sou o mais novo de uma família de cinco filhos. São quatro meninas e eu – posso falar muito sobre as mulheres humanas. Sei que vocês capturam menos meninas que meninos. Meu Pai disse que é por que homens bebem mais cerveja que mulheres. Mas acho que é por causa da tal TPM, né? Tem uma época do mês que meu pai e eu ficamos sentados no sofá de boca fechada, para não levar um tapa da minha mãe ou um esporo das minhas irmãs. É até legal, é quando meu pai pergunta se pode jogar futebol comigo e meus amigos no campinho da Rua do Seu Macedo. Aliás, Seu Macedo disse que já foi “abduzido” (que palavra estranha, não acham?) por vocês uma vez. Ele me contou tudo e já me ensinou a língua de vocês. Só que é secreta, né? Então não podemos falar marcianês em uma carta… Os agentes americanos desconfiam de tudo! Mas, Seu Macedo disse que eles não iam desconfiar da carta de um menino de oito anos. Eu não entendi por quê. Mas acredito em tudo que ele diz. Ele é incrível!

Já fiz minha mala. Não sou muito apegado as coisas, mas vou levar meu boneco do Goku e minhas camisas das fazes da Lua, que ganhei de presente de aniversário da minha vizinha, a Senhorita Lú (minha professora, que, aliás, é muito bonita).

Bem, vou esperar vocês lá no campinho da Rua do Seu Macedo. Não se atrasem, tentem sair mais cedo para não pegar congestionamento, pois só vou esperar até as 21h. Depois disso eu durmo!

Président du Brésil

Sonho vem sonhando bem sonhado: o novo presidente do Brasil já está com a faixa e se deixa flutuar pelos gramados do planalto central. A multidão ovaciona o mais novo presidente do país, da Ordem e Progresso. Todos se sentem orgulhosos pelo seu novo mandatário e governante. E, ele se sente amado por todos e goza de sua glória ao pisar os pés no Palácio do Planalto ou de sentir a grama da Granja do Torto sustentá-lo pela primeira vez.

Acorda!

– Acorda menino! – gritou da cozinha sua mãe – Menino, tá na hora de tomar café. E trate de andar logo para não perder suas aulas… Eu te conheço bem… Levanta moleque!

E se levantou como um gigante glorioso em berço esplêndido!

Caiu de novo em seu travesseiro cor de Carmim!

– Era sonho? Não, não mesmo, eu sou presidente! Meu primeiro decreto – levantou a voz como só um menino de oito anos de idade poderia e todos na sala de aula ouviram– será que: amanhã não haverá aula para meninos e meninas! Aliás, não, as meninas são muito chatas. Só meninos não terão aula amanhã! Viva eu!

E correu!

Como se fosse Napoleão, ergueu a mão com a espada e disse à lá D. Pedro: “Independência ou morte!”

Cor de cajú
Cor de cajú

Sebo nas canelas de saracura para que a professora não o pegasse pela orelha, como já fizera diversas vezes. “Meu cavalo branco é muito rápido – orgulha-se – é cavalo de Rei Turco! Você não me pega velha!

“A eu te pego seu moleque dos diabos…”, gritava a pobre freira!

E quando corria, corria pra valer até que o nobre cavalo pedia a rego e dormia debaixo de um cajueiro verde e amarelo. Tanto animal quanto cavaleiro deliciavam o fruto doce do grande sertão!

Mas, havia dois olhos no mato. Dois olhos de mato! Dois olhos de fato.

O menino não poderia ser rei por muito tempo! Impérios muito grandes não duram para todo sempre. E era a vez do céu azul, daqueles descampados no meio do nada, ver ruir uma babilônia.

– Eu sou o único manda-chuva por essas bandas! – uivou bem alto, como se fosse um lobo, o cachorro!

– Não tenho medo de cachorros! Caçar faisões é só para o  que sevem!

E era pego!

A mãe pegou o menino pelo braço e o fez desmontar o jumento do seu Anastácio. “O velho pensava que lhe tinha roubado seu jegue, moleque”, exclamava a enfurecida mãe! “Fui comprar umas cebolas e ouvi a história que o velho contava ao delegado. E de quebra as velhas do convento dobravam a esquina. Aí, eu vi tudo!” O menino arregalou o olho esquerdo, como era de praxe quando pressentia que encrenca vinha perto!“E, agora corre pra dentro de casa, que se te pego no caminho sou capaz de umas coisas… Ah, Meu Deus… Corre, não disse pra ir pra casa?!”- gritou a mulher!

– Deixa pra próxima. Mas, se ele não detiver essa vontade de ser o melhor, vai ver só! Eu sou bem mal quando preciso, vê só!

Carmim

Auuh Auuuuuuuh Auuuuuuuuuuuuuuh!

Encarou o cão com a mesma vontade que o animal tinha de degolá-lo. “Muito bem – disse – agora veremos quem é mais forte”!
O Animal sorriu como quem estava encarando o mais bravo dos inimigos e assim, durante meia hora, contemplou seu adversário, antes do ambos urgirem seus ódios para cima do outro.
Tudo era terrível, mas para uma criança, tudo era fascinante. Tudo era pavoroso, mas para um animal, qualquer adversário deve ser encarado.
A batalha começou.A plateia rarefeita, por causa dos temores que a consequência da batalha poderia provocar naquele tão pacato descampado, soltou um temeroso e assustador “E agora?”. Todos sentiram o arrepio público, menos os gladiadores que não se deixavam levar pelo calor da torcida. Talvez não escutassem nada mais que a batida do coração do adversário.
Não havia quem não se assustasse com tamanha frieza no campo de batalhas. Os olhares eram de extrema cautela e respeito por ambos os matadores: era digno de uma batalha Olímpica!
A cada adversário foi dado o direito de levar uma arma para se defender, mas ambos, dignamente, rejeitaram a prótese defensiva: os dois foram literalmente nus para encararem seu destino.
Um Cão e um Menino!
Uma batalha espetacular para saber quem era o mais forte!